ESTUDANDO A PALAVRA

ESTUDANDO A PALAVRA

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

BREVE HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA ( I ).



BREVE HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA ( I ).
Prof. Rev. João França.
INTRODUÇÃO:                     
No estudo da Hermenêutica Bíblica é necessário compreendermos os caminhos percorridos pelos primeiros intérpretes da Palavra de Deus para a condição da hermenêutica atual.
Neste estudo observaremos uma breve história da Interpretação com vista à compreensão dos processos e métodos hermenêuticos existentes na atualidade; pois, somente uma caminhada na história da interpretação poderá nos auxiliar no caminho a seguir para uma interpretação segura da Palavra de Deus.
I – A INTERPRETAÇÃO DO ANTIGO TESTAMENTO.
O Antigo Testamento é o primeiro documento da Escritura Sagrada a exigir uma interpretação. Quando lemos Neemias 8. Neste trecho vemos que o povo que regressara do exílio babilônico não compreendiam o que linha na Bíblia, por isso, Neemias e Esdras providenciaram os Targums que significa aqueles que explicam o texto.[1] E assim temos o primeiro processo interpretativo para a comunidade pectual.
1.      A Interpretação judaica no inicio da era Cristã:
Nos primórdios da era Cristã os rabinos judeus tendiam a seguir duas abordagens básicas para se detectar o sentido do texto sagrado.
a)      O Peshar:  É conhecido como o sentido “claro” ou “simples” que deriva a ideia de sentido literal ou sentido histórico do texto.
b)      O Remaz: Conhecido como sentido oculto da lei mosaica[2], dentro desse conglomerado. Havia também o sentido conhecido como derush termo geralmente usado para descrever o processo da exegese. O termo pode ser compreendido a partir da língua hebraica, no uso da palavra vr:*d< (derash) que tem uma gama de significados entre os quais temos: “tirar informações, indagar, procurar, buscar, preocupar-se, examinar, inquirir, pesquisar, exigir; ansiar” [3] e aqui denota “o estudo intenso, ou exame do sentido de uma passagem”.[4]
2.      A Interpretação Rabínica
Na interpretação rabínica desenvolveu-se grandes coleções de escritos interpretativos que no período cristão passou a ser conhecidos como o Mishnah, o Gemara e o Talmude.[5] Para nossos propósitos didáticos iremos apresentar apenas as regras de interpretação do famoso rabino Hillel:[6]
Regra 1: Inferência do sentido mais brando para o mais forte. Isto seria basicamente o que fazemos em filosofia dentro do silogismo. Partimos da premissa menor (o sentido mais brando) para uma premissa maior (sentido mais forte). O principio hermenêutico estabelecido é que aquilo que é verdade sobre o menor é igualmente verdade para o sentido maior.
P.e. Levando em consideração que o Sábado é mais importante  do que outros dias festivos, e aquilo que possa ser restrito no dia de Sábado era ainda singularmente mais aplicável ao dia de Sábado.
Regra 2: Analogia de expressões: As ambiguidades de passagens bíblicas eram superadas quando se fazia referências às expressões semelhantes dentro do corpo canônico.
P.e – A passagem de Levítico 16.29 diz que os judeus deveria afligir a alma no dia da expiação e  forma desse “afligireis a vossa alma” foi interpretada como um abster-se da comida com base na analogia da passagem de Deuteronômio 8.3 que usa a mesma expressão em referência ao estar com fome.
Regra 3: Aplicação por analogia com uma cláusula ou a extensão do específico para o geral.
Um principia geral era construído sobre a base de um ensinamento contido num versículo.
P.e. O caso de um homicídio culposo (sem a intenção) conforme descrito em Deuteronômio 19.
Regra 4:   Aplicação por analogia com duas cláusulas.
Isto significa que duas cláusulas bíblicas servem de base para um principio geral. Por exemplo, vemos em Êxodo 21.26-27. Nesta passagem lemos que se um escravo viesse a ter um “dente” ou um “olho destruído” este mesmo princípio deverá ser aplicado as outras partes do corpo.
Regra 5: Inferência de um princípio geral par um caso ou exemplo específico. Essa regra pode ser usada de duas maneiras – do geral para o específico ou vice-versa.
P.e O que é dito em Êxodo 22.9 – “qualquer coisa” pode ser aplicado a qualquer coisa que foi tomada por empréstimo e perdida e que deve ser reembolsada.
Regra 6: Explicação de outra passagem
            O uso de outra passagem para explicar a primeira passagem com vista a elucidação. Por exemplo, se o cordeiro pascoal deveria ser abatido caso o dia da páscoa caísse em sábado? Segundo esse princípio Números 28.10 fala de “sacrifícios diários” e por isso, o cordeiro deveria se sacrificado para a páscoa não importando o dia para isso.
Regra 7: Aplicação de uma inferência evidente por si só em um texto.
            Esta regra lembra que nenhuma declaração deve ser tomada de modo isolado, mas somente à luz do seu contexto.


II – A INTERPRETAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO.
            Neste momento o nosso estudo se ocupará em lidar com as questões relacionadas com a interpretação neotestamentária desde a forma como o Novo Testamento interpreta o Antigo até as avaliações interpretativas deste segundo testamento.
Antes de tudo devemos lembrar que há “224 citações diretas do Antigo Testamento dentro do Novo Testamento”.[7] Cristo fez bom uso do Antigo Testamento através de seus ensinos (Marcos 2.25-28 e João 7.23; João 10.34-36).
Paulo também faz bom uso no Antigo Testamento no Novo Testamento. Vemos ele valer-se de uma alegoria para referir-se a relação que o Cristão tem com a Lei conforme lemos em Gálatas 4.24-31.
No capítulo 10.1-6 de 1ª Coríntios encontramos Paulo fazendo aplicação de eventos históricos-redentivos como uma alusão à Cristo bem como referência ao novo momento que a Aliança se aplica à igreja. E ainda em Gálatas 3.29 Paulo argumenta que Cristo é o Messias baseando seu argumento na distinção entre singular e plural da palavra semente – ou descendente.
III – A INTERPRETAÇÃO NA PATRÍSTICA
            Uma fonte bastante interpretativa na História da Interpretação é certamente os escritos dos pais apostólicos. Por questões de espaço iremos apresentar, de forma lacônica, as ideias gerais das escolas de interpretação deste período:
3.1 – A Escola de Alexandria:
            Para esta escola de interpretação as Escrituras deveriam ser interpretadas alegoricamente.[8]Trata-se de uma das escolas mais antigas de interpretação.[9] O pai dessa escola de interpretação foi Clemente de Alexandria, ele “acreditava que as Escrituras ocultavam seu verdadeiro significado a fim de que fossemos inquiridores, e também porque não é bom que todos a entendam”.[10] Virkler lembra-nos que Clemente de Alexandria “ desenvolveu a teoria de que cinco sentidos estão ligados à Escritura (histórico, doutrinário, profético, filosófico, e místico), com as mais profundas riquezas disponíveis somente aos que entendem os sentidos mais profundos.”[11] O principio da alegorização se difundiu neste período que era quase impossível um escritor deste tempo não interpretar valendo-se dessa escola.
            Ressaltamos também que o conceito “de que a verdade se encontra alegoricamente oculta além da letra e da realidade visível”[12] era dominante neste escola interpretativa, ou seja, o sentido natural e simples da passagem não era considerado a verdade clara. Vejamos um exemplo da interpretação alegórica de Gênesis 22.1-4 em Clemente de Alexandria:
Quando, no terceiro dia, Abraão chegou ao lugar que Deus lhe havia indicado, erguendo os olhos, viu o lugar à distância. O primeiro dia é aquele constituído pela visão de coisas boas; o segundo é o melhor desejo da alma; no terceiro a mente percebe coisas espirituais, sendo os olhos do entendimento abertos pelo Mestre que ressuscitou no terceiro dia. Os três dias podem ser o mistério do selo (batismo) no qual cremos realmente em Deus. É, por consequência, à distância que ele percebe o lugar. Porque o reino de Deus é difícil de atingir, o qual Platão chama de reino de ideias, havendo aprendido de Moisés que se tratava de um lugar que continha todas as coisas universalmente. Mas Abraão corretamente o vê à distância, em virtude de estar ele nos domínios da geração, e ele é imediatamente iniciado pelo anjo. Por esse motivo diz o apóstolo: "Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a face", mediante aquelas exclusivas aplicações puras e incorpóreas do intelecto.[13]

Entretanto, o maior expoente da escola de interpretação alegórica foi Orígenes. Ele “é o membro mais  destacado da escola Alexandrina, e é ele quem afirma de forma mais completa e adequada os princípios da alegorização cristã”[14]. Ele sustentava a ideia de que cada parte da Escritura é alegórica. Ele entendia que o sentido literal é “valioso, mas algumas vezes obscurece o sentido primário, que é o espiritual. O literal é para os iniciantes, mas o espiritual é para os maduros na fé.”[15] Virkler nos lembra:
Orígenes acreditava que assim como o homem se constitui de três partes — corpo, alma e espírito — da mesma forma a Escritura possui três sentidos. O corpo é o sentido literal, a alma o sentido moral, e o espírito o sentido alegórico ou místico. Na prática, Orígenes tipicamente menosprezou o sentido literal, raramente se referiu ao sentido moral, e empregou constantemente a alegoria, uma vez que só ela produzia o verdadeiro conhecimento.[16]
Esse sistema interpretativo foi construído sobre a doutrina da correspondência, onde um elemento natural e físico nas Escrituras (sentido natural claro) é acompanhado de um elemento ou acontecimento análogo à realidade espiritual.[17]
3.2 – A Escola de Antioquia.
                Havia uma escola que se fazia oposição ao alegorismo alexandrino que ficou conhecida como Escola de Antioquia. O verdadeiro fundador desta escola foi provavelmente Luciano de Samosata. Outras acham que fora o Presbítero Diodoro o fundador da famosa escola. Entretanto, há dois fundamentais representantes desta escola de interpretação: Theodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo. Virkler sumariza para nós a distinção entre as duas escolas de forma bastante lacônica:
Teodoro de Mopsuéstía (c. 350—428), defendiam com o maior zelo o princípio da interpretação histórico-gramatical, isto é, que um texto deve ser interpretado segundo as regras da gramática e os fatos da história. Evitavam a exegese dogmática, asseverando que uma interpretação deve ser justificada por um estudo de seu contexto gramático e histórico, e não por um apelo à autoridade. Criticavam os alegoristas por lançarem dúvida na historicidade de muita coisa do Antigo Testamento[18]

Esta escola rejeitou a interpretação alegórica também fez a distinção entre o gênero alegórico e a interpretação alegórica; explicou os textos cristológicos do Antigo Testamento por meio da interpretação tipológica baseada nos padrões regulares das Escrituras, buscavam a intenção autoral como o sentido natural das Escrituras[19]. Ressaltamos que os Reformadores se identificaram com esta escola de interpretação.
3.3  - A Escola do Ocidente.
            Na patrística temos uma escola de interpretação ocidental que é conhecida como a mais eclética (ela vale-se tanto dos princípios dos alexandrinos quanto dos antioquianos). Segundo Kaiser a importância desta escola se dá exatamente porque  nela se insere a autoridade da tradição na interpretação bíblica[20] como algo importante a ser considerado. Os principais representantes desta escola são Hilário, Ambrósio e, especialmente, Jerônimo e Agostinho.
            Agostinho desenvolveu princípios hermenêuticos importantes em sua  obra  De Doctrina Christiana. Nesta importante obra ele ressaltou a necessidade de um sentido literal como sendo a base essencial para o sentido alegórico. Mas, ele mesmo não hesitou em usar o método alegórico de forma livre. Quanto uma passegem necessitava deu análise decisiva ele apelava para a regula fidei (regra de fé), que de acordo com o próprio Agostinho é conjunto de doutrinas da igreja. Aqui a tradição começa a ganhar força na interpretação das Escrituras.
Vale ressaltar que a Bíblia e a tradição (vista como o testemunho da Igreja) devem andar juntas, nos precisamos ouvir a ambas ou como coloca sabiamente um autor reformado presbiteriano:
A Bíblia sozinha seria a religião dos protestantes. O problema e que a Bíblia nunca esta sozinha. O próprio Calvino, que falou da autoridade da Bíblia nos termos mais elevados, sempre leu-a e ouviu-a segundo as tradições. Sua revisão litúrgica foi feita de acordo com as praticas da Igreja Antiga, o mesmo sucedendo com a organização eclesiástica por ele desenvolvida[21]
Agostinho fez com que a tradição se avultasse sobre as Escrituras de forma  prejudicar a interpretação da mesma. Queremos deixar claro que podemos ler a Bíblia com as tradições, o problema encontra-se quando as tradições estão se opondo a Bíblia. A Igreja é a coluna e baluarte da verdade (1 Tm.3.15). E vivemos uma época em que a historia da igreja (que funciona como testemunho para nós) tem sido negligenciada, mais uma vez Leith nos adverte para isso:
Os protestantes têm sido sempre tentados a crer que, de alguma forma, podem ignorar todos os séculos da historia crista, estudando a Bíblia sem ajuda e os embaraços dos que os antecederam. Na verdade, porem, aqueles que se recusam a ler a Bíblia a luz das tradições da Igreja acabam sendo dominados pelas suas próprias tradições históricas e culturais[22]
Agostinho também seguiu, infelizmente, o método chamado de quadriga. Que consistia em compreender que as Escrituras possuíam um sentido quádruplo:
1.      Histórico; 2. Etiológico (uma investigação da origem e das causas); 3. Analógico e 4. Alegórico. Este método surgiu com João Cassiano sobre a cidade Jerusalém ele ensinou: Jerusalém literalmente significa a cidade dos Judeus; alegoricamente  Jerusalém é a igreja (Salmos 46.4-5); Tropologicamente , Jerusalém é a alma (Salmos 147.1-2,12); e, anagogicamente, Jerusalém é nosso lar celestial (Gálatas 4.26). O próprio Cassiano reconhecer que o sentido da quadriga  não se aplicava a todos os textos das Escrituras, e enfatizava a busca pelo sentido natural e literal do texto sagrado.[23]
















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1.      ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada. Ananindeua: Knox, 2006
2.      GRANT, Robert.; TRACY, David. A Short History of the Interpretation of the Bible USA: Fortress Ress,1984
3.      KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009
4.      LEITH, John. A Tradição Reformada – Uma Maneira de ser a Comunidade Cristã. São Paulo: Pendão Real, 1999
5.      LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004
6.      NICOLE, Roger. New Testament Use Of The Old Testament in: Carl F. H. Henry - REVELATION AND THE BIBLE Contemporary Evangelical Thought.
7.      SCHWANTES, Milton. Dicionário de Hebraico-Português & Aramaico-Português. São Paulo: Vozes e Sinodal,  2003, p.51.
8.       VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987




[1] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.204.
[2] Idem
[3] SCHWANTES, Milton. Dicionário de Hebraico-Português & Aramaico-Português. São Paulo: Vozes e Sinodal,  2003, p.51.
[4] LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.51
[5] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.204.
[6] Ibid, p.205-206.
[7] NICOLE, Roger. New Testament Use Of The Old Testament in: Carl F. H. Henry - REVELATION AND THE BIBLE Contemporary Evangelical Thought , p.137.
[8]KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.211.
[9] ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada. Ananindeua: Knox, 2006 ,p.27.
[10] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 44.
[11] Idem.
[12] LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.51
[13] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 44.
[14]GRANT, Robert.; TRACY, David. A Short History of the Interpretation of the Bible USA: Fortress Ress,1984, p.56
[15] LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.132.
[16] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 44.
[17] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.212.
[18] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 46.
[19] ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada. Ananindeua: Knox, 2006 ,p.61
[20] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.214
[21] LEITH, John. A Tradição Reformada – Uma Maneira de ser a Comunidade Cristã. São Paulo: Pendão Real, 1999, p. 20
[22] Idem.
[23] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.214.

domingo, 23 de abril de 2017

Exposição Bíblica: Romanos 1.1

SÉRIE DE EXPOSIÇÃO BÍBLICA:
Livro Estudado: Romanos
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
Texto Bíblico: Romanos 1.1.
Παῦλος δοῦλος Χριστοῦ Ἰησοῦ, κλητὸς ἀπόστολος ἀφωρισμένος εἰς εὐαγγέλιον θεοῦ,
 (Rom 1:1 BGT)
Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, (Rom 1:1 ARA).
Introdução:
Estamos iniciando a nossa série de exposição bíblica sobre esta grande epístola. É uma carta onde à essência do evangelho é vislumbrada; uma carta que tem uma ampla significância histórica para fé cristã. Pois, foi lendo tal carta que um homem ímpio e pecador encontrou a Cristo – seu nome? Santo Agostinho, em sua busca pela verdade, e pela paz no coração estava no jardim de sua casa quando ouviu uma criança cantar – tole lege, tole lege! Toma e ler! Toma e ler! Ele prontamente tomou o livro sagrado de Deus e abriu a esmo na passagem de Romanos 13.13! E houve uma grande transformação daquele homem – conhecido na história da igreja como o doutor da graça!
Outro personagem da história da igreja que nos fala da grandeza desta epístola chama-se Martinho Lutero, pois, e seus estudos exegéticos, da carta em apreço, ele se deparou com o capítulo 1 versos 16-17, e então, eclode a Reforma protestante; e por fim, um cristão que sentia grande agonia sobre o estado de sua alma, encontrou conforto nas palavras de Paulo em Romanos 3.20-26, este cristão era o grande músico Willam Cowper. Pois, bem diante deste vislumbre da história podemos dizer que é um grande desafio expor a presente epístola. Tendo esse senso de incapacidade nos aproximamos das declarações iniciais desta carta considerando os seguintes aspectos:
I – O autor:
Notemos como a carta começa “Paulo” – quem era este “Paulo”? Se nós estudarmos o Novo Testamento certamente encontraremos muitas coisas sobre este personagem. Vamos saber que ele era natural de uma cidade chamada Tarso ( Atos 21.39; 22.3) e que nascera livre. Pois, era um cidadão romano. Conforme vemos em Atos 22.3 ele fora instruído pelo maior mestre da Lei de seu tempo – o nobre Gamaliel. Em Filipenses 3.5 somos informados que este Paulo se destacara: como “hebreu de hebreus”. E fora educado na exatidão da lei (Atos 22.3); por causa deste zelo passou a perseguir os cristãos (Atos 22.4), ele recebera autorização para fazê-lo de maneira desmedida conforme vemos em Atos 26.9-11:
“Na verdade, a mim me parecia que muitas coisas devia eu praticar contra o nome de Jesus, o Nazareno; e assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os matavam. Muitas vezes, os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E, demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas os perseguia.”
            Eis aqui o retrato deste homem terrível! Um perseguidor da Igreja de Deus conforme o texto de  Gálatas 1.13 nos informa – “Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava.”
            Mas, este homem era um eleito de Deus! E no caminho para Damasco encontra-se como o Senhor Jesus isto pode ser lido em Atos 22.6-8:
Ora, aconteceu que, indo de caminho e já perto de Damasco, quase ao meio-dia, repentinamente, grande luz do céu brilhou ao redor de mim. Então, caí por terra, ouvindo uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Perguntei: quem és tu, Senhor? Ao que me respondeu: Eu sou Jesus, o Nazareno, a quem tu persegues.
            Aqui está o homem perseguidor da Igreja tendo uma experiência gigantesca de redenção! O próprio Cristo apareceu a ele – ressurreto! Então, o perseguidor da Igreja tornara-se o seu maior pregador depois do Senhor Jesus.
II – No que Paulo se Tornara:                                     
            Depois da conversão compete-nos pensar no que este homem chamado “Paulo se transformara”? O nosso texto continua a nos informar “servo de Jesus Cristo” no grego temos “δοῦλος Χριστοῦ Ἰησοῦ”[doulos Xristou Iesou]. Aqui é algo de capital importância para nós, pois, aquele perseguidor da igreja fora transformado em “servo” apalavra usada aqui na língua grega é mais forte do que “servo” é a palavra “escravo”. As implicações desta declaração paulina são gritantes! Devemos nos lembrar que Paulo não fundara a Igreja de Roma – e agora coloca-se a escrever para esta igreja, mas antes de tudo ele deseja demonstrar a igreja que acima de tudo ele é “escravo”. O que faz um escravo? Um escravo não faz a sua própria vontade, antes ele faz a vontade de seu senhor que o governa que o dirige; então, Paulo aqui mostra-nos a sua total submissão ao seu senhor.
            Quem é o senhor de Paulo? Ora, na frase seguinte ele nos diz: “[...] servo de Jesus Cristo...”. A pessoa bendita de Cristo Jesus é o senhor de Paulo. O apóstolo procura mostrar que a essência de sua vida, a identidade de sua pessoa, só pode ser avaliada, considerada sob o senhorio de Cristo sobre a sua vida! Consideremos mais de perto o que Paulo está dizendo:
            Ao dizer que é servo de Jesus Cristo. Ele tem em mente o significado destes termos. O nome Jesus como todos vocês sabem significa “Salvador” – Paulo mostra nesta declaração que o seu Salvador é a quem ele deve servir como um escravo; o segundo aspecto desta informação é o nome Cristo – que significa o “Messias”. O ungido de Deus para ser o redentor do mundo.
            Vemos aqui Paulo concentrando-se na Pessoa bendita de Jesus Cristo. Cristo ocupara o primeiro lugar na identidade e vida de Paulo. Ele sempre usa o Nome de Cristo para mostrar a relevância que há na Pessoa do redentor. Ele mensura isso se mostrando como “escravo de Jesus Cristo”.
            Mas que implicações isso tem para nós. A implicação disto é que todos nós que somos cristãos devemos ser escravos de Jesus Cristo. Paulo reiterada vezes apresenta esta verdade acerca dos cristãos, por exemplo, em 1ª Coríntios 6.19,20 nos diz: “19 Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? 20 Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo”.
            Ele aqui lembra-nos que não “somos de nós mesmos”, isto porque “fomos comprados por preço” – então, não devemos nos tornar culpados de pecados como a fornicação. Por que temos um dono que exige de nós santidade, alguém que pagou o preço por nós, pois, éramos escravos do pecado, estávamos no mercado de escravos, então, Jesus Cristo foi lá e nos comprou! Então, uma vez que vocês são templo do Espírito Santo, vocês não tem o direito de fazer o que quiserem com o corpo de vocês-antes “glorifiquem a Deus por meio de vosso corpo”.
            O Filho de Deus comprou cada um de vocês por um preço de seu sangue precioso, ele comprou vocês. Aqui está a redenção descrita, pois, deixamos de ser escravos do diabo para sermos escravos de Cristo. Todos nós pertencemos a Cristo, porque todos nós devemos ser escravos de Cristo como é o autor destas palavras! Então, Paulo deve fazer a sua vontade, deve fazer a vontade do Senhor Jesus Cristo, bem como cada um de nós que professamos ser cristãos.
III – O Chamado de Paulo
            Paulo identificara-se como “servo de Jesus Cristo”, mas como bem sabemos o servo é designado para algo muito específico, e a próxima frase nos leva a identificar que algo é esse: “chamado para ser apóstolo”. Aqui temos uma gradação certamente, pois, Paulo nos dissera o que lhe acontecera e como se tornou Cristo, bem como o que significa ser cristão – ser servo de Cristo Jesus; e agora ele mostra-nos qual é a incumbência especial que receber de seu senhor – ele é alguém “Chamado para ser apóstolo”. No grego temos “κλητὸς ἀπόστολος”[kletos apostolos] – que literalmente quer dizer: “um chamado apóstolo”.
            Quero chamar sua atenção para estas duas palavras: “chamado” e “apóstolo”. Pois, estes dois termos são abusados em nossos dias, e ficamos apáticos quando isso ocorre, nem sequer pensamos sobre isso, porque ignoramos o que o apóstolo nos diz aqui.
            Consideremos o termo apóstolo. O que é um apóstolo? Bem, lembremos que Paulo ao identificar-se inicialmente como escravo ele não o faz em termos gerais, mas de modo específico, ele é um escravo que é apóstolo. Conforme vimos em 1ª Coríntios muitas pessoas duvidavam e não aceitavam o apostolado de Paulo, e ele teve que reiteradas vezes defender seu apostolado contra os falsos apóstolos que estavam naquela igreja; então, aprendemos que o termo apóstolo, quando usado pelo apóstolo Paulo me referência a si mesmo, designa um ofício específico.
            Mateus 10.1-2 parece-nos mostrar isso: “Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. Ora, os nomes dos doze apóstolos são estes:”. Aqui vemos uma mudança significativa, pois, no verso 1 eles são chamados de discípulos e no verso 2 de apóstolos. Por quê? Porque nem todo discípulo é um apóstolo – Cristo de maneira deliberada mostra isso aqui. Apenas estes discípulos aqui tornaram-se apóstolos. Isso é confirmado em Lucas 6.12,13: “Naqueles dias, retirou-se para o monte, a fim de orar, e passou a noite orando a Deus. E, quando amanheceu, chamou a si os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu também o nome de apóstolos:”.
            Porque tive que me deter neste ponto? A resposta é simples é o fato de que o termo apóstolo significa enviado como mensageiro, com uma missão e no Novo Testamento descreve uma pessoa que é enviada com a autoridade para representar alguém e falar em nome desse alguém que a envia. Então, isso nos conduz para a pergunta quais são as características de um apóstolo?
1. A primeira delas é ser testemunha ocular da ressurreição do Senhor: Isto é confirmado nas escrituras na escolha da igreja primitiva por Matias para ocupar o lugar de Judas (Atos 1.21 – “É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós,”). Outro texto que confirma isso é 1ª Coríntios 9.1 – “Não sou eu, porventura, livre? Não sou apóstolo? Não vi Jesus, nosso Senhor? Ou seja, sou testemunha da ressurreição.
2. A segunda verdade sobre este ponto é que homem para ser apóstolo tinha que ser especialmente chamado.  Conforme já vimos! Paulo fora chamado no caminho para Damasco.
3. Um apóstolo é alguém que receber uma autoridade para realizar milagres: O apóstolo Paulo menciona este aspecto em 2ª Coríntios 12.12: “Pois as credenciais do apostolado foram apresentadas no meio de vós, com toda a persistência, por sinais, prodígios e poderes miraculosos. ”.
            Isso tudo nos leva para uma pergunta. Há apóstolos hoje? Muitos se designam apóstolos, mas são blasfemos, pois, não possuem nenhuma das características que as Escrituras apresentam para o apostolado. Paulo aqui nos mostra que “um chamado apóstolo” porque possuía tais características. Hoje em dia há muitas igrejas que possuem falsos apóstolos que arrogam um ofício que não há mais na igreja, tudo para enganar o povo.
            Agora, consideremos a palavra “chamado” no grego temos a palavra “κλητὸς” [kletos] – o termo descreve o chamado específico, a chama de Deus para aqueles que ele vocaciona para o sagrado ministério! Aqui o termo é aplicado ao apostolado de Paulo ele fora chamado pelo próprio Cristo para realizar a tarefa da pregação do evangelho de Deus. Ou seja, ninguém deve se intrometer no ministério se não foi chamado para isso!
IV – A Tarefa do Apóstolo Paulo:
            Isto nos leva para o próximo passo. Este apóstolo ele é chamado para uma tarefa específica que segue imediatamente à declaração anterior: “separado para o evangelho de Deus” - ἀφωρισμένος εἰς εὐαγγέλιον θεοῦ, - Paulo é colocado à parte é isto que significa o verbo grego “ἀφωρισμένος”- para o objetivo de proclamar o evangelho de Deus.
            A palavra evangelho significa “boa-nova”. Paulo diz que é um apóstolo separado para pregar o evangelho que é de Deus. É a noticia da redenção que Deus quer anunciar ao homem perdido, ao pecador, e para isso, ele usa vasos de barros para comunicar o evangelho. Ele separa homens para ser pregadores destas boas-novas de salvação é isso que Paulo quer mostrar-nos.
            O que isso tem haver conosco? Bem, somos chamados para anunciar o evangelho de Deus aos homens, é nosso dever fazê-lo, é nossa obrigação viver deste modo. Que verdades nós aprendemos aqui neste texto da palavra de Deus:
1. Podemos ter esperança sobre a conversão de pecadores: Aprendemos aqui que um homem como Paulo que fora perseguidor da igreja de Deus, se tornara uma cristão, um homem temente a Deus, então, há esperança para os nossos entes queridos que não conhecem a Cristo.
2. Submissão total a Cristo: A segunda verdade que podemos aprender e aplicar apartir deste texto é que uma vez cristãos devemos ser “escravos” de Cristo, se submeter a sua vontade soberana, ele é nosso Senhor, nós lhe pertencemos e devemos ser submissos a ele.

3. A certeza e a finalidade de nosso chamado: Ainda que não sejamos apóstolos como designa a Palavra de Deus, todos nós somos discípulos, fomos chamados para glorificar a Deus e com a finalidade de proclamarmos o evangelho da graça de Deus aos homens, é nosso papel, é nosso dever fazê-lo, como escravos obedientes ao nosso Senhor Jesus Cristo.